A Arte de Ser Invisível

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Karma sutra

Calo e não falo – de medo,
Calos na ponta dos dedos,
Arranco a pele no dente.
Não aponto mais estrelas,
Não fecho nem bato gavetas,
Lavo mágoas,
Traço metas semestrais.
Finjo, não guardo segredos,
Nego, não meço conselhos,
Rasgo a carne no dente.
Carrego um cravo no bolso,
Esqueço as portas abertas,
Deixo pegadas,
Não acho nada demais em vagões.
Trago, não mando recados,
Fumo o cigarro dos outros,
Olho por cima das lentes.
Faço e desfaço no ato,
Desato o nó dos meus dedos,
Um passo em falso
E caio fora do laço.
Ando caminhos inteiros,
Escolho as ruas erradas,
Corto os lábios no dente.
Desenho palavras no rosto,
Aqueço os pés na coberta.
Digo nada
Nem vejo nada demais em vagões.
Durmo e acordo mais magro,
Cavo um buraco, me enterro,
Arrasto grossas correntes.
Desperto sempre cansado
E torço grades de ferro,
Guardo migalhas,
Vivo pequenos desertos.
Levanto e sento ligeiro,
Sento e levanto de novo,
Escrevo cartas urgentes.
Nasci com os olhos fechados,
Só durmo de luz acesa,
De magrudaga,
Carrego o corpo e a saudade em vagões.
Esquento os ossos no fogo,
Almoço livros e discos,
Uso camisas e pentes.
Cuspo sementes e salmos,
Atravessando os ouvidos,
Rotas e mares,
Compro velas e cristais.
Tropeço nos móveis da sala,
Prefiro insetos pequenos,
Procuro um verso decente.
Corro e não fico parado,
Calado, falo sozinho.
Penso mais alto:
Não acho nada demais em vagões.

 

Juliano Holanda: voz, guitarras, microkorg, rodhes e baixo
Ivan do Espírito Santo: quarteto de sax
Gilú: percussão

Letra

1. Karma sutra
Juliano Holanda  

Altas madrugadas

Quando a noite mergulha tão somente
No silêncio profundo das estrelas
Eu escrevo outro verso à luz de velas
Sem cruzeiro qualquer que me oriente
Não há brisa sequer que se apoquente
A bater as janelas mal-trancadas
No ranger dolorido das escadas
Não há mau pensamento que me fuja
Ouço ao longe o piar de uma coruja
E o mugido das altas madrugadas…

 

Passa o vento em estranhos rodopios
Revirando o que estava tão tranqüilo
Pois ninguém é capaz de persegui-lo
Embaralha e retorce tantos fios
Quebra as folhas de caules mais esguios
Atravessa até  frestas mais fechadas
Descascando a pintura das fachadas
Soberano, ninguém lhe sobrepuja,
Ouço ao longe o piar de uma coruja
E o mugido das altas madrugadas…

 

Lá distante se escuta a tempestade
Avisando que está já de partida
E esse cheiro de vela derretida
Vai tomando as esquinas da cidade
E transforma a tormenta em claridade
No mormaço das ruas alagadas
Só me resta o soluço das calçadas.
Vou lavar minha alma na água suja,
Ouço ao longe o piar de uma coruja
E o mugido das altas madrugadas…

 

Marcelo Pretto: vozes

Letra

2. Altas madrugadas
Juliano Holanda  

Ouriço

Que descuido meu,
Pisar nos teus espinhos.
É essa mania minha
De olhar pro céu,
Com a cabeça ao léu,
Voando sem asa,
Vez ou outra esbarro
Nos móveis da casa
E outra vez tropeço
Nos próprios caminhos.

 

Que descuido meu,
Pisar nos teus espinhos.

 

Jam da Silva: voz e percussão
Marion Lemonier: piano e rodhes
Juliano Holanda: guitarras e viola de10
Areia: baixo acústico

Letra

3. Ouriço
Juliano Holanda  

Domingo no sítio dos Nakashima

Depois que a manhã se desdobra,
Pra chover,
Vem  tanta nuvem da serra pra cá,
Onde o vento se joga…

 

Então, já depois de amanhã,
Talvez,
Seja tarde demais pra chegar
Mas se der,
Não demora…

 

Eu,
No domingo que vem  vou lá
Nem que seja bem tarde,
Mesmo sendo madrugada até,
Vale á pena se deitar
No leito do rio e deixar se levar…

 

Depois,
Esquecer do caminho de casa,
Pra jogar toda tarde fora,
Sem ter hora pra retornar,
Sem ter hoje nem ter amanhã,
Pra chorar, pra sorrir,
Pra dormir, pra sonhar ,
Pra chegar, pra sair,
Pra se perder no silêncio do olhar.

 

Lá,
Onde o tempo se escora,
É que a tarde namora,
É que o vento se enrosca pra depois soltar,
Lá no alto mais alto que há,
Onde quase não dá pra chegar,
Onde a folha se larga
E desliza na brisa
De leve
E vai caindo sem vertigem
Como luva na paisagem,
Lentamente
Num redemoinho feito um carrossel,
Do chão pro céu,
Do céu pro chão,
Do chão pro céu de madrugada,
Numa calma disparada
Onde tudo quer passar
Tranqüilo sem correr sequer perigo qualquer,
A qualquer hora…

 

Lá, vou dizer: eu encontrei a paz…

 

E por isso, aonde quer que vá,
Deixo a brisa me guiar, se for
A mesma brisa
Aquela mesma
Que soprava
Serra dentro
Vendo a paisagem deslizar,
Sem pressa,
Sem pressa,
Na sombra,
Saudade sincera
Enquanto a vida se derrama  no ar…

 

Num domingo qualquer dessas estelares semanas,
A mansidão é tanta
Que assimila a planta e se recria em dia e noite só,
Em noite e dia que amanheceria sempre e novamente em cada pomar,
E depois de cada manhã sopraria a brisa de lá,
Pra trazer outra sombra, outra luz, outra serra pra cá…

 

Benjamim Taubikim: piano
Tatiana Parra: voz
Baixo acústico: Areia
Percussão: Gilú

Letra

4. Domingo no sítio
Juliano Holanda  

Antes e depois

Agora chove, antes não chovia.
Mas, também não fazia sol.

 

Agora durmo, antes não dormia.
Todas as cores me distraem
E as gotas de chuva quando caem também…

 

Agora vejo, antes não veria:
Cada hora é cada hora
E cada dia é cada dia.

 

Agora digo, antes não diria,
O tempo passa quando a sombra cai
E não passa se a sombra não cai também…

 

Agora é isso.
Antes não seria nada disso.

 

Agora quero, antes não queria,
Mas, a minha vida nunca segue a linha.

 

Agora sinto, antes eu sabia
Ou pensava que sabia até demais
Agora sei que ainda quero mais, além…

 

Agora é isso.
Antes não seria nada disso.

 

Antes que eu perca tempo,
Antes que a verba acabe,
Antes venha a derradeira tempestade solar
Antes que a inspiração me deixe
Antes do verdadeiro eclipse
Antes que a onda quebre
Antes que o tempo vire
Antes venha a derradeira tempestade solar
Antes que a embarcação se perca
Antes que o vento leve a cerca
Antes que seja tarde
Antes que mais não seja
Antes venha a derradeira tempestade solar.

 

Jr. Black: voz
Juliano Holanda: guitarras e viola de dez
Areia: baixo acústico
Roque Netto: Fluguels e trumpete
Tom Rocha: bateria e percussão

Letra

5. Antes e depois
Juliano Holanda  

Morada

Eira de beira arruada,
Soma de setas e sonos,
Grama quebrando a calçada,
Casa de tais abandonos…

 

Dente mascado no tempo,
Quarto de arco crescente,
Barco de velas e ventos,
Olho de louça e de lente…

 

Céu de tijolo aparente,
Nuvem de telha e cimento,
Alto de asfalto distante,
Tempo sem esquecimento…

 

Trecho de fácil morada,
Rosto de traços tristonhos,
Porta de qual madrugada,
Rua de pedras e sonhos,

 

Quadra de iguais hectares,
Chã dos sem reis e sem donos,
Templo de outros lugares,
Casa dos meus abandonos…

 

Laya Lopez: voz
Juliano Holanda: Guitarras, viola de 10 e escaleta
Areia: baixo acústico
Bateria e percussão: Tom Rocha

Letra

6. Morada
Juliano Holanda  

Imãs de geladeira

Eu já lhe dei
Imãs de geladeira.
Eu já lhe fiz
Promessas pra vida inteira.
O que você quer mais?

 

Já me despi.
Cai como uma luva.
Já me esqueci
Onde ficava a rua
Por onde andei,
Já lhe beijei na chuva.
Já lhe mostrei
O coelho que há na lua.

 

Sem rastro e sem cometa,
Sem tinta e sem caneta,
Nem verso que me valha,
Sem fio e sem navalha…

 

Eu já lhe dei
Imãs de geladeira.
Eu já lhe fiz
Promessas pra vida inteira.
O que você quer mais?

 

Já lhe comprei
Brincos de tartaruga.
Já quis fugir
Já desisti da fuga.
Já me peguei
Com a alma tão miúda,
Lendo e relendo
Livros de auto-ajuda.

 

Já me virei do avesso,
Sem fim e sem começo,
Dormi sem desengano,
No leito do oceano,
Em águas tão escuras,
De lá, sonhei alturas
E despertei sozinho,
Como quem cai do ninho…

 

Voz: Carlos Ferrera
Juliano Holanda: guitarras, baixo e rodhes
Gilú: percussão

Letra

7. Imãs de geladeira
Juliano Holanda  

Horizontal

Quando o pé acerta o rumo,
A estrada se orienta,
Cada passo que se inventa,
Pisa o chão e toma prumo.
Cada fruta tem seu sumo,
Cada hora, o seu momento,
Cada folha tem seu vento,
Quando a areia se levanta,
A imensidão é tanta,
Que arrebenta o pensamento…

 

Longe, nuvens tão imensas,
Deslizando, carregadas,
Como ondas disparadas,
São tão leves e tão densas.
São embarcações intensas,
São cargueiros libertados,
São navios naufragados,
São veleiros, são escunas,
Navegando pelas dunas
Desses olhos marejados…

 

Já o mar tem duas rotas,
Quando é dia e tudo brilha,
A correnteza é uma trilha,
No traçado das ilhotas,
Voam mais que gaivotas,
No desejo, que é tão grande,
Não há cria que desande,
Tudo é vasto, tudo é certo,
Nesse carnaval deserto,
Onde a alma se expande…

 

Mas, se é noite, o mar serena,
E adormece pensativo,
Sem anseio e sem motivo,
Sua mansidão é plena,
Mesmo a estrela tão pequena
Deve ter alguém que aponte,
Mesmo que a manhã desponte
É tão doce a maresia,
Toda linha se desfia,
Menos essa do horizonte.

 

Siba: voz
Juliano Holanda: guitarras e tres
Areia: baixo acústico
Gilú: percussão

Letra

8. Horizontal
Juliano Holanda  

Na primeira cadeira

Fui seguindo pra sempre na subida
Já andei vinte léguas contra o vento,
Uma quadra sem porta e sem alento.
Nessa estrada só tem lugar de ida.
Cada curva parece conhecida,
Cada passo descreve a própria lei,
Nesse chão que a saudade derramei,
Tanta dor, tanto pranto, tanto gozo,
Me estiquei de um jeito preguiçoso
Na primeira cadeira que encontrei…

 

Fui ao fundo de todo pensamento
E segui sem intento e sem guarita
No deserto onde só o tempo habita,
Eu ouvi murmurinhos pelo vento.
Vi as nuvens girando em movimento.
Aprendi a metade do que eu sei.
Até mesmo a mentira que inventei
Me sorriu de um modo milagroso.
Me estiquei de um jeito preguiçoso
Na primeira cadeira que encontrei…

 

Percorri com igual velocidade
Sobre ruas e vales e sarjetas,
Revirei o que havia nas gavetas,
Quis apenas a lei da gravidade.
Aprendi no caminho da verdade
Uma coisa que nunca esquecerei
Me achei, me perdi, me deparei
Tão diverso e tão maravilhoso.
Me estiquei de um jeito preguiçoso
Na primeira cadeira que encontrei…

 

Ao final mais cansado e mais sereno,
Com os olhos repletos de visagens,
Tantas chuvas e tantas estiagens,
Da janela do trem, fiz um aceno.
E pensei como o mundo é tão pequeno,
Mas, também é maior do que sonhei,
Fui dormir inocente e despertei
Tão criança, tão jovem, tão idoso,
Me estiquei de um jeito preguiçoso
Na primeira cadeira que encontrei…

 

Ceumar: voz
Juliano Holanda: viola de 10
Areia: baixo acústico
João Carlos: cello
Gilú: percussão

Letra

9. Na primeira cadeira
Juliano Holanda  

Farol

Desde que você partiu,
Espero.

 

Do jeito mais sincero
Que me é possível.
Do jeito mais visível,
Que se pode estar
Em frente ao mar,

 

Como um farol.

 

E a minha sombra vai fugindo ao sol,
Como ponteiros de um relógio.

 

Você é a cama em que deito,
Você é a água em que me vejo,
O ar que preciso,
A casa onde moro.

 

E desde que você partiu,
Eu choro.

 

Geraldo Maia: voz
Juliano Holanda: violão e viola de dez
Rob Curto: sanfonas

Letra

10. Farol
Juliano Holanda  

nucleoContemporaneo
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