A Verdade Não Existe

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Ando cansado

Ando cansado
Mas ando

Ando cansado
Da medíocrecidade
Desses institutos.
Do indulto
Dessas pontes que no fundo
São só viadutos.
Desse jeito solúvel
De ser rato em labirinto.
Dessa dor que ? deveras dor
E de fato sinto.

Ando cansado
De acordar cansado
Sem saber aonde.
Dessa angústia
Com requintes de ansiedade
Nesse esconde-esconde.
Desse furo na palma da mão
E esse mecanismo.
Desses sins e desses nãos.
Desse maniqueísmo.

Ando cansado
Mas ando.

Ando cansado
Do barulho dessa obra
Que nunca termina.
Dessa água estagnada
E da carnívora carnificina.
Da idiotização do ser
Cada vez mais agressiva.
De se sentir um prisioneiro
Nessa tal cadeia produtiva.

Ando cansado
Desse “a” sem crase
Nessa palavra sem rima.
Desse erro de prosódia
E dessa ode a alta auto-estima.
Cansado desse faz-de-conta.
Desse número desconhecido.
Disso de sempre ter que ir
Mesmo sem ir pra onde se está indo.

Ando cansado
Mas ando.

Ando cansado
Da obsolescência
E da esfumaçada cortina.
Ando cansado
Da urbanodecadência
E dessa gastrogasolina.
Da figurinha que uso
Pra substituir o riso.
E que já se tornou meu riso
Mesmo quando não estou sorrindo.

(Juliano Holanda)

Letra

1. Ando Cansado
 

Bem dito

Bendito seja o guarda-chuva em dias de chuva.
Bendita seja a febre incendiando vírus.
Bendito seja o fruto desse vento.
Bendito seja o ar-condicionado.

Bendito seja o satélite orbitando a terra.
Benditos sejam os fósseis do tiranossauro.
Benditos sejam os trilhos desse tempo.
Benditos sejam os braços do acaso.

Bendita seja a resistência que aquece o banho.
Benditos sejam o rádio e a visão de Tesla.
Bendita seja a máquina de lavar roupas.
Bendito seja o açúcar e o ardor do sal.

Bendita seja a grama que amortece a queda.
Benditos sejam o sábado e o domingo.
Bendito todo aquele que se despe.
Bendito todo aquele que se aceita.

Bendita seja a hera que a sustenta o muro.
Bendita seja a pedra que segura a porta.
Bendito seja o garfo e seja a faca.
Bendita a colher, bendito o prato.

Bendito seja o plasma dos televisores.
Bendito seja aquele que estuda o átomo.
Bendito seja o bóson de Higgs.
Benditos sejam as meias e os sapatos.

Bendito seja o guarda-chuva em dias de chuva.

(Juliano Holanda)

Letra

2. Bem dito
 

Como quem arrasta tubarões

Como quem arrasta tubarões de volta pro mar
Eu quero salvar seu sorriso.
Mesmo sabendo que a sua natureza
É seca
Como a de um escorpião.

E é certo que você me mate.
Mas, tudo bem,
Eu já passei por isso.
Não vai ser a primeira vez
Que eu ressuscito.

Da primeira vez
Sequer tinha nascido.
Da segunda vez
Fui pego de surpresa.
Da terceira vez
Foi mais do que preciso
Morrer pra inverter a correnteza.
Da quarta vez em diante
Permaneci mais distante.

Eu,
Tubarão de mim mesmo.
Eu,
Escorpião de mim mesmo.
Eu,
Deserto, folha e miragem.
Roçando a asas do vão do céu,
Juiz que é juri também é réu
Morrendo á beira do oásis.

(Juliano Holanda)

Letra

3. Como Que Arrasta Tubaroes
 

Dance

Agora ficou tudo raro 

E todo seixo virou diamante.

Agora lhe encontrei no faro.

Nunca mais lhe deixo

De ontem em diante. 

 

Antes tudo era tão falso

Tudo tão desinteressante.

Hoje toda música que faço

É pra que você cante. 

 

Antes tudo era tão alto

Tudo fora do meu alcance 

Hoje toda música que faço

É pra que você dance. 

 

Eu não sou páreo

Pro seu charme.

Letra

4. Dance
 

De verdade

A verdade não existe de verdade
Só existe a verdade de quem vê.
A verdade anda triste
Nesse mundo tão artífice
Que espécie de verdade
Pode haver?
A verdade é o alpiste
Da gaiola que vestiste
Pra poder viver.

A verdade anda escondida
Na baleia da barriga
A verdade e sua tela de TV.
Nem queria saber.

A verdade e seu caroço.
Sua carne de pescoço
Dura de roer.
A verdade e seus senhores
A verdade e sua cores
Que ninguém quer ver.

A verdade anda escondida
Na baleia da barriga
A verdade e sua tela de TV.
Nem queria saber.

(Juliano Holanda)

Letra

5. De Verdade
 

Emaranhada

No eninhar do emaranhado,
Por dentro cordão por dentro,
Do lado do outro lado
Passando dedo por dedo
Formando novo quadrado
Losango feito de elástico
O risco de amar no mínimo
O risco de amar no máximo

O sol não acende vela,
Singela flor na sacada,
Só ela, somente ela
Grafita minha calçada
Janela da minha cela
Cartela já premiada
Metade de tudo é tudo
Metade de nada é nada

Me empreste seu arquipélago,
Juro que te devolvo
Nem tudo que a onda leva
Merece voltar de novo
Tem sal que talvez adoce
E açúcar que às vezes salga
Palavra que é feito língua,
Tem língua que é feito faca.

Comida que não enjoa
Viagem que não tem mala
Tem grito que não ecoa
Silêncio que às vezes fala.
No emaranhado da rede,
Medida deveras drástica:
Alguém que matasse a sede
Com um gole de soda cáustica.

Lá no emaranhado,
Antenas por sobre os prédios.
Pessoas no formigueiro
Doentes dos seus remédios.
Há fios desencapados,
Fagulhas nos seus palheiros.
Os sonhos ficam guardados
Na fronha dos travesseiros.

De si só se sai a nado,
Nó cego dando em cabelo
De um jeito tão complicado,
Quem saberá desfazê-lo?
Quem é que encontraria
Na ponta do seu novelo
A dor de um milhão de dores
Doendo no cotovelo?

Se tudo que assanha é sonho,
Nem tudo que ata, desata,
Se tudo que jorra é jorro,
Nem toda conta é exata
Se todo xis é tesouro
Nem todo abraço é gravata
Às vezes parece ouro
Mas na verdade é de prata.

Comida que não enjoa
Viagem que não tem mala
Tem grito que não ecoa
Silêncio que às vezes fala.
No emaranhado da rede,
Medida deveras drástica:
Alguém que matasse a sede
Com um gole de soda cáustica.

Meu olho no seu ferrolho
Seu dente na jugular
Da vida só vale o molho
E a chuva pra se molhar,
Espero de sobremesa
Na falta de boa asa
Que o vento e a correnteza
Me levem de volta pra casa.

(Juliano Holanda)

Letra

6. Emaranhada
 

Fantoche

Você tem linhas
Nas mãos,
Nos pés,
Na cabeça,
Em si mesmo tropeça.
Você engole a conversa.

Um tipo sem graça de marionete,
Seus braços são dedos de alguém
E antes que a vida aconteça
Você aceita
O que vem
E pensa
Que pensa
Com a própria cabeça.

Acha que move um fantoche
Mas é somente um fantoche
De alguém que é fantoche
De alguém que é fantoche

E acha que move um fantoche.

(Juliano Holanda)

Letra

7. Fantoche
 

Mais lento

Pois é
Não temos muito tempo
Mas eu queria dizer
Que guardei você
Num beijo.

Então,
O mundo é tão ligeiro.
A gente tem que encontrar
Um jeito de andar
Mais lento.

Eu não lhe reconheço mais.
Mudamos mecanicamente.
Sinto que estamos caminhando pra trás
Fingindo estar indo pra frente.

Você não me conhece mais.
Talvez esteja diferente.
Sinto que estamos caminhando pra trás
Fingindo estar indo pra frente.

(Juliano Holanda)

Letra

8. Mais Lento
 

O relojoeiro

Peça por peça,
O cirurgião do tempo.
Artesão das horas.
Põe o mundo em movimento.

Em cada parte da engrenagem
Enquanto houver calor na paisagem
E toda mecânica dos ventos.
Atento a cada detalhe,
O relojoeiro talha até tarde
Os ponteiros do pensamento.

E o que se revela
Aos olhos de que sabe ver
É que o tempo também tem
Seus anseios,
Carne, ossos, nervos,
Músculos, desejos
E só o relojoeiro sabe ler.

(Juliano Holanda)

Letra

9. O Relojoeiro
 

Stonehenge

Quando só restarem
Minhas pétalas, suas pedras
E mais nenhum vestígio de nós.
Como um relógio solar,
Suas pétalas e minhas pedras.
Meu silêncio e sua voz.

Eu serei o seu Stonehenge.

Quando só restarem
Dos meus barcos e seus remos,
As lembranças e os lençóis.
Nessa hora vão soar
As palavras que dissemos
Só quando estivemos sós.

Eu te espero lá no Stonehenge.

(Juliano Holanda)

Letra

10. Stonehenge
 

 

 
 
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